segunda-feira, 15 de março de 2010

O Sonho do Eleitor

O texto que segue é uma tradução de extratos da obra de D'Aubigne,
"History of the Reformation of the Sixteenth Century" (História
da Reforma do Sexto Século), livro 3, capítulos 4 e 5.

O eleitor Frederico da Saxônia, dizem as crônicas da época, estava em seu palácio de Schweinitz, seis léguas de Wittenberg, quando, em 31 de outubro, cedo de manhã, estando com seu irmão, o duque Jonh, que era então co-regente, e que reinou sozinho após sua morte, e com seu chanceler, disse: "Devo contar-lhe um sonho, irmão, que tive na última noite, e do qual eu gostaria de saber o significado. Ele está tão firmemente gravado em minha memória que nunca o esquecerei, mesmo se eu vivesse mil anos; pois ele ocorreu três vezes, e sempre com novas circunstâncias."

Duque John: -"Foi um sonho bom ou mau?"

O eleitor: -"Não sei dizer: Deus o sabe."

Duque John: -"Não se perturbe com isso: deixe-me ouvi-lo."

O eleitor: -"Tendo ido para a cama na noite passada, cansado e desanimado, logo adormeci após minhas preces, e dormi calmamente por cerca de duas horas e meia. Então despertei e todos os tipos de pensamentos ocuparam-me até a meia-noite. Refleti sobre como observaria o festival de Todos-os-Santos; orei pelas almas miseráveis no purgatório e pedi que Deus me guiasse, meus concílios e meu povo, de acordo com a verdade. Então adormeci novamente, e sonhei que o Todo-poderoso enviou-me um monge, que era um verdadeiro filho de Paulo, o Apóstolo. Ele estava acompanhado de todos os santos, em obediência à ordem de Deus, para dar seu testemunho, e para assegurar-me de que ele não veio com qualquer intenção fraudulenta, mas que tudo o que ele faria estava de acordo com a vontade de Deus. Eles pediram minha generosa permissão para deixá-lo escrever alguma coisa nas portas da capela do palácio de Wittenberg, o que concedi através de meu chanceler. Nisto, o monge se dirigiu para lá e começou a escrever; tão grandes eram os caracteres que eu pude ler de Schweinitz o que ele estava escrevendo. A pena que ele usou era tão longa que sua extremidade alcançou Roma, onde ela penetrou nos ouvidos de um leão que estava ali e sacudiu a triplice coroa na cabeça do papa. Todos os cardeais e príncipes correram rapidamente e se esforçaram para sustentá-la. Você e eu oferecemos nosso auxílio: eu estiquei meu braço... neste momento acordei com meu braço estendido, com grande preocupação e muito zangado com esse monge, que não conseguia controlar melhor sua pena. Recuperei-me um pouco... era apenas um sonho.

"Estava ainda meio adormecido, e mais uma vez fechei meus olhos. O sonho começou novamente. O leão, ainda perturbado pela pena, começou a rugir com toda a sua força, até que toda a cidade de Roma, e todos os estados do Santo Império, correram para saber qual era o problema. O papa chamou-nos para nos opormos a esse monge, e dirigiu-se particularmente a mim, porque o frade estava vivendo em meus domínios. Acordei novamente, repeti a oração do Senhor, roguei a Deus para preservar sua santidade e adormeci. ...

"Então sonhei que todos os príncipes do império, e nós com eles apressamo-nos para Roma, e nos esforçamos um após o outro para quebrar sua pena; mas quanto maior nosso empenho mais forte ela se tornava: ela estalava como se tivesse sido feita de ferro, desistimos sem esperança. Então perguntei ao monge (pois estava ora em Roma, ora em Wittenberg) onde ele havia obtido aquela pena, e como ela se tornou tão forte. 'Esta pena', respondeu ele, 'pertenceu a um ganso da Boêmia há cem anos. Eu a obtive de um de meus antigos mestres. Ela é tão forte porque ninguém pode extrair seu cerne, e eu mesmo estou espantado com isto.' Subitamente eu ouvi um alto clamor: da longa pena do monge tinha sido emitido um exército de outras penas. ... Acordei pela terceira vez: era dia claro."

Duque Jonh: -"Qual a sua opinião, Sr. Chanceler? Teremos aqui um José, ou um Daniel, ensinado por Deus!"

Chanceler: -"Sua alteza conhece o provérbio vulgar, que os sonhos das jovens, homens sábios e grandes senhores têm geralmente algum significado oculto. Mas não ficamos sabendo o significado destes por algum tempo, até que os eventos tenham ocorrido. Por este motivo, confie seu cumprimento a Deus, e deposite tudo em suas mãos."

Duque Jonh: -"Minha opinião é a mesma que a sua, Sr. Chanceler; não é apropriado para nós torturar nossas mentes para descobrir a interpretação deste sonho: Deus dirigirá tudo para sua glória."

O eleitor: -"Que nosso Deus fiel assim o faça! Ainda que nunca esquecerei este sonho. Tenho pensado em uma interpretação... mas me conterei. O tempo mostrará, possivelmente, se tenho conjecturado corretamente." ...

Em 31 de outubro de 1517, ao meio dia do dia anterior ao festival, Lutero, que tinha já predisposto sua mente, caminha ousadamente em direção à igreja, para a qual uma multidão supersticiosa de peregrinos estava se dirigindo, e posta na porta noventa e cinco teses ou proposições contra a doutrina das indulgências. Nem o eleitor, nem Staupitz, nem Spalatin, nem mesmo qualquer de seus mais íntimos amigos tinha sido informado de suas intenções.

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