segunda-feira, 4 de julho de 2016

A Terra da Filosofia, a Matemática e a Grande Barca


Autor: Eduardo F. Lütz

Havia uma cidade em uma região chamada Filosofia.

Para os cidadãos daquele lugar, Filosofia era tudo o que existia. Para onde quer que fossem, estavam em Filosofia. Construíam casas, plantavam, colhiam, passeavam pelos arredores da cidade e tinham a impressão de que as terras de Filosofia não tinham fim.

As Grandes Descobertas

Algumas pessoas com espírito de aventura começaram a sair pelos arredores, indo cada vez mais longe, a fim de melhor conhecer Filosofia. Alguns voltaram dizendo coisas intrigantes. Descobriram uma grande muralha que parecia não ter fim. Outros descobriram indícios de que havia muita água por debaixo do solo e que em qualquer lugar seria possível cavar um poço e encontrar água. O povo de Filosofia chamava a água de matemática. Curiosamente, eles chamavam também os poços de matemática, se bem que quando faziam isso referiam-se a características da água e não dos poços.

Até então, pensava-se que Filosofia se estendia sem limites e que água só poderia ser encontrada em locais muito específicos, nos quais haviam sido cavados poços. A água era últil para beber e lavar roupas. O povo não percebia que era a água que alimentava também suas plantações, seus animais e as árvores de onde obtinham frutos e madeira para construir casas.

Havia cópias de textos antigos reunidos em um livro chamado de Diários dos Pioneiros. Esses textos falavam de engenheiros que usaram uma tecnologia muito sofisticada para construir Filosofia e depois trouxeram colonos para povoar o local. Além de falar desses eventos, os Diários também falavam de regras de segurança, convívio e saúde.

Muitos duvidavam da autenticidade desses textos porque não acreditavam em tecnologias tão complexas e as interpretações mais aceitas de alguns trechos importantes pareciam-lhes absurdas. E, quanto a tecnologias avançadas, se elas estavam disponíveis no início, por que não estariam atualmente? Os Diários falavam de uma revolta que impediu que os engenheiros ensinassem tecnologias avançadas aos pioneiros e forçou-os a se retirarem, mas os detalhes estavam espalhados pelos Diários, de forma que a maioria das pessoas ignorava tais explicações.

Embora a maioria das pessoas não notasse, os Diários falavam em coisas além de Filosofia. Mencionavam que pessoas viajaram e passaram sobre muralhas que ficam além das muralhas de Filosofia. Também diziam que a água dava suporte a Filosofia. Os estudiosos dos Diários diziam que isso significava que água era algo importante para que as pessoas não morressem de sede.

Alguns curiosos, intrigados com esse tipo de texto, decidiram saber mais sobre matemática (água e poços). De alguma forma, isso teria sido fundamental para os pioneiros construírem Filosofia. Logo, seria importante estudar o assunto para saber mais sobre como os pioneiros pensavam e como foram capazes de construir Filosofia. Até então, os matemáticos (especialistas em poços e água) limitavam-se a encontrar maneiras mais eficientes de tirar água dos poços. As novas ideias abriram interessantes perspectivas para seu trabalho.

Exploradores decidiram investigar a profundidade das águas nos poços e concluíram que não era possível encontrar o fundo. Mais do que isso, descobriram que se um poço fosse cavado com profundidade suficiente, a partir de certo ponto o poço não parecia ter paredes.

Os matemáticos perceberam que precisavam desenvolver técnicas que permitissem a exploradores mergulhar e viajar sob a água a fim de poder melhor explorar poços. Um matemático chamado Natan resolveu iniciar um projeto assim, mas percebeu que precisaria de um grande tanque transparente cheio de água. Natan não tinha tanta água assim, mas lembrou-se de que havia água nos poços, a qual podia ser extraída e colocada em seu tanque. Com isso ele pode desenvolver os primeiros protótipos de equipamentos de mergulho e fazer os primeiros testes.

Exploradores começaram a utilizar e aperfeiçoar cada vez mais os equipamentos de mergulho. Não foram muito longe nas primeiras tentativas. Os rumores pareciam se confirmar: após uma certa profundidade, parecia-se estar em uma câmara gigantesca, da qual não se podiam ver as fronteiras. Olhando-se para cima a partir desse local, via-se uma estrutura que suportava as terras de Filosofia, pelo menos nas imediações em que ocorriam os mergulhos. A ideia de que Filosofia fora fundada sobre a água ganhou novo fôlego.

Com a experiência obtida nos mergulhos, alguns decidiram esforçar-se mais e construir uma espécie de submarino, que lhes permitisse ir mais longe e explorar aquela câmara de água subterrânea. Com o tempo, muito esforço e após muitas tentativas fracassadas, conseguiu-se finalmente construir um submarino capaz de alcançar boas velocidades viajando sob a água. Essas coisas precisavam ser feitas bem longe da cidade para não causar transtornos aos cidadãos e eliminar o risco de danificar alguma propriedade.

Boom no Conhecimento é ignorado

A maioria das pessoas que viviam em Filosofia não ficou sabendo do que se passava e continuou com suas atividades normais sem perceber que uma revolução no conhecimento estava acontecendo. Outros ouviram rumores, mas entenderam apenas que um grupo de curiosos gostava de explorar poços e acharam isso um tanto sem graça e sem propósito. Poços fornecem água para satisfazer algumas necessidades específicas e isso basta. Além disso, água não é algo particularmente gostoso. Intelectuais diziam: "Por que investir tanto esforço para olhar o que há dentro de poços? Sabemos o que há lá: água. O esforço seria melhor empregado plantando-se novas lavouras."

Chegou o grande dia de estrear o submarino. Ele foi colocado em um grande poço preparado para isso às custas de muito trabalho e engenhosidade. Algums exploradores especialmente treinados entraram no submarino. O aparelho começou a descer. O ambiente ficava cada vez mais escuro. Os exploradores ligaram as luzes do aparelho e continuaram descendo por aquele túnel vertical. Após um certo ponto, o submarino emergiu da extremidade inferior do túnel.

Após descer um pouco mais para evitar que o veículo colidisse com algo da base de Filosofia, iniciou-se uma viagem horizontal. Após algumas horas, notaram que o ambiente já não parecia tão escuro. A tripulação desligou as luzes e olhou para cima. Realmente, parecia haver uma vasta região iluminada. Iniciaram a subida e o ambiente ficava cada vez mais claro.

Chegaram à superfície da água, abriram a escotilha e foram para a parte de cima do submarino para ver melhor o que haviam encontrado. Estavam em um vasto oceano que não parecia ter fim. Olhando para o ponto de onde vieram, notaram uma gigantesca embarcação. Filosofia era uma barca gigante! Aquela água dos poços, que todos pensavam vir de uma fonte limitada, talvez um reservatório subtarrâneo, era só uma manifestação de algo muito maior do que Filosofia. Aquela água era parte de um oceano que sustentava Filosofia e que estendia-se de horizonte a horizonte. A expressão dos Diários que falava da água como sustentando Filosofia parecia muito mais clara e significativa agora. A maioria dos estudiosos dos Diários nunca ficou sabendo disso e continuou supondo que isso era apenas uma referência ao fato de que a água dos poços matava a sede.

Novas Tecnologias

Diversas outras viagens foram feitas, algumas para explorar os limites e a forma de Filosofia quando vista de fora, de longe, de perto e de baixo, para explorar a profundidade do oceano, para buscar outras embarcações semelhantes a Filosofia, e assim por diante. Nessas buscas, os exploradores descobriram coisas novas nas águas profundas, materiais úteis que poderiam usar em Filosofia. Até novas fontes de alimento foram descobertas. Seria possível viver ricamente desses alimentos e materiais sem retornar a Filosofia. Seria possível até construir novas embarcações que permitissem vida confortável, embora o esforço necessário para isso fosse grande demais naquela época. Para a maioria do povo que ignorava tudo isso, porém, Filosofia continuava a ser tudo o que existia e importava e poços ou água eram apenas um recurso limitado encontrado em locais muito específicos. Filosofia continuava sendo sinônimo de mundo para eles.

Revolução Conceitual

Para os exploradores da água, porém, isso não mais parecia adequado. Confundir poço com água não faz sentido algum considerando-se que a maior parte da água está em um vasto oceano que nada tem a ver com poços. Também decidiram parar de usar o nome de Filosofia como se fosse sinônimo de mundo, pois da perspectiva dos exploradores da água, Filosofia era apenas uma região que parecia extremamente pequena quando observada de um ponto mais distante na imensidão do mar. E, indo um pouco mais longe, sequer era possível ver Filosofia.

Refinar a linguagem facilitou muito a vida dos exploradores ao conversar entre si, mas ao falarem com o resto do povo, era necessário escolher entre usar a linguagem popular, que induzia ideias equivocadas, ou dar muitas explicações sobre a natureza de Filosofia, a abrangência da água e a diferença entre poço e água. A quase totalidade das pessoas, incluindo curiosos e exploradores que não participavam das excursões de submarino, ainda ignorava a existência do oceano (conceito que não fazia sentido para eles), muito menos seria capaz de entender e acreditar que Filosofia seria uma barca a flutuar nesse oceano.

O povo passou a usar coisas que exploradores construíram a partir de materiais encontrados no oceano. Também passaram a ter maior quantidade e qualidade de alimentos graças aos novos recursos encontrados durante as explorações oceânicas. Acreditavam, porém, que tudo aquilo era proveniente de alguma região de Filosofia. Se alguém dissesse que aquelas coisas vinham do oceano, entendiam que oceano era um poço situado em alguma região de Filosofia.

Quando exploradores falavam de sua percepção de Filosofia em função de suas aventuras no oceano, as pessoas entendiam que eles estavam falando de pequenos mergulhos em poços e que isso era algo muito restrito para gerar qualquer conclusão a respeito de Filosofia como um todo. Assim, acabavam descartando quase tudo o que os exploradores da água diziam. Intelectuais de Filosofia escreviam sobre a exploração de poços e argumentavam que era impossível obter uma visão panorâmica de Filosofia quando se está confinado ao interior de um poço. Segundo eles, bastaria sair um pouquinho do poço e olhar ao redor para notar o fato óbvio de que matemática é algo muito mais restrito do que as terras ilimitadas de Filosofia.

Com o tempo, os exploradores que haviam construído submarinos, descobriram no oceano materiais que lhes permitiram construir aviões, podendo não apenas obter uma visão aérea de Filosofia, mas viajar para mais longe e explorar novas regiões distantes do oceano com maior facilidade. Com isso, descobriram novas fontes de riquezas que foram trazidas para melhorar a vida dos habitantes de Filosofia. Algumas pessoas sem escrúpulos usaram alguns desses novos materiais para construir armas e fazer coisas que geravam muito lixo. De vez em quando, colocava-se a culpa nos exploradores por isso.

Debate sobre a Origem

Havia exploradores da água que acreditavam nos Diários e começaram a notar que vários trechos falavam em Filosofia como um ambiente limitado e que havia pessoas morando em lugares além de Filosofia. Pela forma como isso era mencionado, perceberam que provavelmente havia outras barcas semelhantes a Filosofia e mais antigas do que ela em locais muito distantes do oceano. Eles estudavam também os detalhes das estruturas que existiam na base de Filosofia e notaram que muitos trechos dos Diários faziam referências a eles. Tais referências eram geralmente ignoradas porque falavam de coisas que não faziam sentido para a maioria das pessoas, incluindo os estudiosos profissionais dos Diários.

Estudiosos profissionais dos Diários dos Pioneiros procuravam extrair deles toda informação possível. Por causa do perfil das pessoas que normalmente se dedicavam a essa área, concentravam-se mais nas regras de convivência, saúde e segurança, as quais realmente possuíam aplicação mais imediata para a população. Havia um trecho famoso que falava sobre o planejamento e a construção de Filosofia por engenheiros com grande conhecimento de tecnologias avançadíssimas. Esse texto dizia que Filosofia havia sido construída em um local previamente inóspito, que sementes foram plantadas em seu solo, poços foram cavados e encheram-se de água e depois foram trazidos colonos para habitá-la. Os Diários foram escritos por pioneiros, que afirmaram ter podido conversar com os engenheiros e tido a oportunidade de tomar notas do que eles haviam dito. Embora os pioneiros fossem pessoas simples, disseram ter feito seu melhor para anotar da forma mais fiel possível o que ouviram, ainda que algumas expressões não fizessem sentido para eles.

A maioria dos estudiosos dos Diários interpretava que os engenheiros encontraram uma terra hostil, possivelmente muito rochosa e irregular, e a prepararam para que pudesse ser habitada. Muitos estudiosos também diziam que a expressão "encheram-se os poços" significava que os engenheiros despejaram grande quantidade de água nos poços e que ela teria ficado armazenada em câmaras subterrâneas, anteriormente vazias.

Havia quem duvidasse dos Diários. Para onde teriam ido os engenheiros após construir Filosofia e por que razão o povo não mais tinha acesso a tecnologias tão avançadas? Aliás, toda essa história de tecnologias avançadas parecia um conto de fadas. Tal coisa provavelmente nunca existira.

Origem dos Habitantes de Filosofia

Alguns suspeitavam que o povo de Filosofia era originário dali mesmo. Havia muitos tipos de plantas estranhas em Filosofia. Talvez alguma delas, que poderia estar extinta, pudesse ter gerado pessoas como se fossem seus frutos. Isso simplificaria as coisas e não mais seria necessário apelar-se à ideia de engenheiros com tecnologias avançadas trazendo pessoas de algum lugar que não existe. Muito menos seria necessário seguir as regras supostamente decretadas pelos engenheiros. Plantas gerando frutos e sementes eram algo conhecido e mais provável do que engenheiros de fora de Filosofia com tecnologias inimagináveis. Aliás sequer faria sentido falar-se em "fora de Filosofia", já que Filosofia abrangia tudo o que existia.

Intrigado com a possibilidade de origem local dos habitantes de Filosofia, um curioso chamado Dórian saiu a investigar plantas exóticas. Isso foi antes dos aviões, porém após o início das explorações submarinas, que já estavam bastante avançadas na época. Dórian nunca viajou de submarino porque era claustrofóbico. Não acreditava em oceanos, apenas em poços e, possivelmente, câmaras subterrâneas de água. Mesmo assim, achava absurda a ideia de que os engenheiros teriam enchido os poços com água em algum momento e portanto uma interpretação literal dos Diários não seria algo confiável. Os reservatórios de água subterrânea provavelmente sempre estiveram lá.

Em sua viagem exploratória, descobriu uma espécie de planta que gerava uma grande semente. Abrindo-se essa semente, observava-se algo com um formato parecido com um feto humano. Dependendo da época, as sementes produzidas possuíam um conteúdo com formato um pouco diferente, distanciando-se ou aproximando-se mais do formato de um feto. Dado tempo suficiente, pensou Dorian, esta planta provavelmente produzirá uma semente contendo exatamente um feto humano. Deve ser um fenômeno raro, mas acontece. Se pudéssemos esperar tempo suficiente, provavelmente veríamos muitos humanos nascendo deste tipo de planta.

Tais ideias causaram vaias e aplausos entre o povo de Filosofia. Uns diziam que Dórian estava indo contra a sabedoria dos engenheiros e pioneiros. Outros ficaram felizes em não mais precisar seguir regras antigas. Com o tempo, a ideia de Dórian passou a ser aceita por quase todos os intelectuais respeitados, e ideias sobre detalhes do processo de geração de humanos a partir de sementes começaram a ser imaginados. Entre as evidências, os intelectuais falavam de como sementes pequenas podem gerar grandes árvores com características bem diferentes das sementes que lhes deram origem. As sementes eram pequenas e arredondadas, mas as árvores eram grandes, cheias de galhos e folhas. Portanto, uma semente poder gerar algo bem diferente de si mesma seria algo natural e provavelmente essa seria a origem dos habitantes de Filosofia.

Naturalistas e Planejamentistas

As estruturas engenhosas que sustentavam Filosofia, vistas logo nas primeiras viagens de submarino, passaram a ser ignoradas. Os planos de viagens submarinas ainda as levavam em conta para evitar colisões, mas sem mencionar seu significado e formato exatos. Os exploradores acostumaram-se a passar distraidamente pelo local pensando apenas em seu destino final.

A ideia de que Filosofia era uma estrutura que flutuava em um vasto oceano nunca foi popular até porque a maioria das pessoas não fazia ideia do que isso significava. Entre intelectuais, houve muita resistência a princípio, até porque ficava difícil descartar a existência dos engenheiros naquele cenário. Com o tempo, porém, testemunhos de exploradores da água e evidências se acumularam e os intelectuais buscaram maneiras de aceitar esse fato sem precisar recorrer à ideia de engenheiros com tecnologias avançadas. Segundo eles, o conhecimento precisava apoiar-se em fatos atuais e locais, sem nunca mencionar entidades de fora de Filosofia. Não percebiam o quanto isso contradizia o próprio conceito de oceano.

Por fim, a ideia de estrutura flutuante foi aceita pela maioria dos intelectuais, após imaginarem maneiras pelas quais materiais poderiam haver se unido espontaneamente no oceano para formar Filosofia.

A diversidade de crenças sobre a origem de Filosofia continuou a existir, mas cada vez menos pessoas cria ser literal o trecho dos Diários que falava sobre a construção do local realizada por engenheiros. Muitos exploradores que viajavam de submarino passaram a apoiar a ideia de Dórian. Eles citavam o fato de que a água de Filosofia era apenas manifestação de um grande oceano, muito maior do que Filosofia. Os poços eram apenas aberturas que permitiam acesso à água do oceano e que não faria sentido alguém precisar despejar água neles. Portanto, a ideia de que alguém preparou Filosofia para ser habitada era muito improvável. Este era o famoso argumento do oceano.

Os que criam que Filosofia se formou com base somente em fenômenos naturais eram chamados de naturalistas. Os que criam que Filosofia fora planejada e construída por engenheiros eram chamados de planejamentistas.

A maioria dos planejamentistas dizia que havia sido feita terraplanagem de um local inóspito, irregular e pedregoso, o solo havia sido então arado, depois haviam sido plantadas sementes úteis, depois poços foram cavados e muita água fora despejada neles. Depois disso, os pioneiros haviam sido trazidos. Um trecho dos Diários dizia claramente que "poços foram cavados e encheram-se de água" e muitos estudiosos afirmavam que essa expressão, na linguagem antiga, significava que água havia sido despejada nos poços.

A maioria dos planejamentistas contestavam o argumento do oceano dizendo que esse tipo de ideia baseava-se em pessoas desequilibradas que mergulhavam em poços e depois inventavam teorias absurdas, chegando até a falar em oceanos, máquinas voadoras e sementes que geram humanos. Não se poderia confiar em pessoas assim. Para estes, submarinos eram excentricidades sem propósito e aviões e oceanos eram meras especulações. Para eles, os Diários afirmavam claramente que água havia sido despejada nos poços e eles preferiam crer no relato de quem viu acontecer do que em especulações de lunáticos.

Havia exploradores planejamentistas que reconheciam que o argumento do oceano possuía um elemento de verdade: a ideia de que alguém precisou despejar água nos poços realmente não fazia sentido algum. Os poços seriam preenchidos com água automaticamente se alguém cavasse um poço suficientemente profundo. Apesar disso, eles não concordavam com os naturalistas, pois observando Filosofia por baixo, observavam claramente estruturas engenhosamente construídas para sustentar Filosofia.

Este grupo de planejamentistas não cria que haviam terras áridas e inabitáveis no início, mas apenas um oceano. Os Diários não falavam em terras áridas, mas em local inabitável. Os pioneiros teriam construído um grande navio a partir de materiais do oceano, criando um ambiente habitável nessa embarcação. Entendiam o texto que dizia que os poços encheram-se de água como sendo literais, mas significando que a água veio de baixo, do oceano, assim que os poços foram cavados. Ao usar esse tipo de argumento para convencer a outra ala de planejamentistas, frequentemente ouviam a resposta de que eles estavam apenas tentando reinterpretar os textos antigos para adequar-se a sua preferência pessoal e seu gosto por ideias mirabolantes que incluíam aviões, oceanos e sementes que geram pessoas. Note-se que os planejamentistas que viajavam pelo oceano não criam em sementes que geram pessoas, mas eram vistos como se cressem assim pelos demais planejamentistas, que achavam que viajar de submarino e avião testemunhando fatos era a mesma coisa que fazer extrapolações ao observar sementes com formato curioso. Para a maioria das pessoas essas eram atividades do mesmo tipo.

Com o tempo, a maioria da população aceitou a ideia de Dórian e passou a crer que os pioneiros nasceram de sementes, não entenderam o processo e inventaram fábulas sobre como teria sido sua origem. Muitos diziam acreditar em partes dos Diários, mas poucos conheciam de fato seu conteúdo.

Apesar das grandes descobertas, para o povo e para os intelectuais de Filosofia, incluindo a maioria dos estudiosos dos Diários, poços continuam sendo limitados, submarinos são desperdício de esforço e aviões são meras especulações: não pode existir algo assim. A ideia das sementes que geraram pessoas é bastante bem aceita pela maioria das pessoas, incluindo muitos estudiosos dos Diários, que entendem os trechos sobre construção de Filosofia como alegorias. E a controvérsia sobre as origens permanece, cada um propondo seus argumentos e ignorando as réplicas ou tratando-as de maneira simplista.

terça-feira, 5 de abril de 2016

O Conhecimento Humano e a Existência de Deus

Carl Sagan, astrônomo e astrofísico entre outras coisas, foi um cientista muito popular na década de 1980 devido a seu papel na divulgação científica. Certa vez ele comentou acerca de ateísmo e crença na existência de Deus:

"Um ateu é alguém que tem certeza de que Deus não existe, alguém que tem evidências convincentes contra a existência de Deus. Eu não conheço uma evidência assim convincente. Como Deus pode ser relegado a tempos e locais remotos e a causas últimas, teríamos que saber muito mais sobre o universo do que sabemos agora para ter certeza de que Deus não existe. Ter certeza da existência de Deus e ter a certeza da não existência de Deus parece-me serem os extremos muito confiantes em um assunto tão cheio de dúvida e incerteza a ponto de inspirar, na verdade, muito pouca confiança." [1]

E concordo com isso, em parte. Essa opinião demonstra mais bom senso do que grande parte das idéias expressas neste mundo, sejam religiosas ou céticas. O problema é que bom senso não é suficiente. O bom senso nos induz a pensar que se uma coisa não é vista, tocada ou ouvida, existe uma boa chance de ela não existir.

Ocorre, porém, que essa afirmação de Sagan demonstra conhecimento também. Quando se vai um pouco além, estuda-se um pouco mais a natureza e suas leis, percebe-se que existe uma infinidade de coisas que não podem ser vistas, tocadas e sentidas. Alguns exemplos são: partículas subatômicas, espaço, tempo e gravidade. Contudo, conhecimento ainda não é suficiente. Porque por mais que se conheça, sempre existe um infinito além para ser conhecido. Qualquer entidade neste universo, e mesmo o próprio universo, existe dentro desse "aquário" que é a nossa realidade física, restrita às nossas leis físicas, ao tempo e ao espaço.

No entanto, essa asserção ainda revela entendimento. Que é o que acontece quando se percebe que certezas podem fechar portas para questionamentos válidos. Como é possível ter certeza sem nunca ter questionado uma idéia, observado pontos fortes e fracos, ido até as últimas consequências testando opiniões contrárias às nossas?

O problema, com a maioria das certezas, é que, ao tropeçarmos em alguma evidência muito contrária a elas, ainda parecem mais fortes do que qualquer evidência. Isso ocorre com crentes e descrentes. O próprio ceticismo pode se tornar uma convicção mais forte do que a evidência. Desta forma, entendimento, mais uma vez, não é suficiente.

Percebemos que bom senso, conhecimento e entendimento são coisas fundamentais, necessárias, para conseguirmos diferenciar o que é real do que não é. Constatamos, por todos os exemplos de intolerância ao longo da história, que certezas que não admitem questionamentos têm grande chance de imperdir o reconhecimento de evidências. E, também, que a própria idéia de que não se pode ter certeza sobre um determinado assunto pode tornar-se uma certeza, impedindo que evidências sejam percebidas como evidências. Resumindo: certeza que não admite questionamentos tem grande chance de enfraquecer ou mesmo obliterar evidências. A percepção de que não se pode ter certeza sobre alguma coisa pode tornar-se uma certeza e, consequentemente, da mesma forma enfraquecer e obliterar evidências.

Neste caso, o que seria suficiente? Para começar, o desejo de descobrir a verdade qualquer que seja ela. Isso é ainda mais difícil do que parece à princípio.
Enquanto se está pisando em um terreno conhecido, enquanto nossos fundamentos não estão sendo abalados, é relativamente fácil reajustar nossas visões de mundo. O problema ocorre quando a realidade começa a ir em uma direção que tem o potencial de derrubar a plataforma em que nos sentimos seguros. Minha questão é: até que ponto você conseguiria examinar evidências contrárias a sua posição de uma forma isenta? Isto é possível?

Relacionada à capacidade de examinar idéias contrárias às nossas com isenção, há a questão de como construimos nossas bases do que é confiável. Comumente se acredita que a base para as convicções de religiosos, ou místicos e espiritualistas, seria um conjunto de ensinamentos expostos em livros como a Bíblia, Alcorão, ensinamentos de Buda ou mensagens dos espíritos e outras. E a base para as de céticos seriam a ciência e o pensamento racional. Um ponto fundamental, porém, na forma como avaliamos proposições, tem a ver com o grau de confiança e credibilidade que depositamos em determinadas pessoas. Isso, além de nossas experiências individuais e conjunto de valores, é um dos fatores que mais pesa em nossas avaliações do que é do que é aceitável ou não.  Por exemplo, há sempre algumas pessoas que se destacaram por seu entendimento e realizações em áreas de conhecimento que compõem a base para nossas concepções. Consequentemente, o que essas pessoas disseram ou acreditaram costuma ter um papel fundamental na hora de avaliarmos evidências. Não há nada errado em levarmos em conta a experiência de outros que se destacaram por suas realizações. O problema é quando isso se torna um obstáculo para avaliarmos evidências por nós mesmos!

O bom senso faz muitos questionarem a existência de um Deus bom em face da exitência do mal, como doenças, calamidades, guerras, etc. Ao mesmo tempo, também faz com que pessoas questionem por que Deus, aparentemente, não se manifesta aos nossos sentidos nesse planeta. Estas são questões muito relevantes que pretendo abordar posteriormente. No momento, existe uma questão que vem ainda antes destas duas: existe, atualmente, à disposição do ser humano, conhecimento suficiente para responder sobre a existência ou não de Deus?

Para investigarmos isto, é importante que tenhamos, inicialmente, uma idéia correta de como se estrutura o conhecimento humano sobre a realidade. Em um primeiro momento da vida, adquirimos conhecimento sobre o mundo através dos sentidos, do que podemos ver, tocar, provar, cheirar e ouvir. A partir disso, dirigidos por nossos raciocínios e emoções, vamos construindo nossos conceitos. Quando aprendemos a linguagem, adquirimos uma ferramenta importante para ampliar nossos meios de investigação sobre a realidade. Para sobreviver, porém, precisamos aprender a lidar com nosso ambiente e isso inclui começarmos a aprender as formas, os números, as cores, a paisagem, nossa geografia, nossa história, enfim, começamos uma jornada que nos leva a perceber em maior ou menor grau como as coisas estão interconectadas, como nos afetam e são afetadas por nós.

Ocorre que a forma como descobrimos o mundo segue um caminho inverso ao de como a realidade se estrutura. Começamos com uma experiência social, de sermos tocados e cuidados por outras pessoas, de experimentarmos o mundo através dos sentidos. Então, obtemos uma noção de nosso ambiente e de como nos movimentarmos nele; também adquirimos a linguagem. A partir do momento em que nosso cérebro começa a processar informações, iniciamos a construção de uma história através da memória e aprendizado. Do ponto de vista humano, o conhecimento se processo através da construção de uma história, da interação social, de uma experiência física e geográfica, da aquisição da linguagem. Conhecimentos abstratos como matemática explícita e filosofia só acontecem mais tarde e, a maior parte das pessoas do planeta, não se aprofunda muito nestes temas.

A realidade, no entanto, tem uma estrutura inversa. Porque, ao investigarmos a história, percebemos que ela tem origem nas questões sociais. As questões sociais se compõem de interações das pessoas entre si e com o ambiente físico, ou seja, psicologia, fisiologia, ecologia, geografia, economia, política, etc. O funcionamento de todas essas coisas obedece às leis da física. O ambiente, todos os seres vivos e suas interações, em todos os níveis, são regidos pelo eletromagnetismo, gravidade, interações fracas e fortes. Com certeza, todas essas coisas geram superestruturas que, intuitivamente, parecem ser muito mais do que a soma das partes. E são. A soma das partes, porém, acrescida de todas as interações entre elas, ainda segue estritamente estas leis básicas e não existe nenhum princípio mágico por trás. Cada detalhe tem sua origem nas leis da física. Todas estas leis seguem o princípio da ação mínima, que é expresso por uma equação bem pequena.

δA=0

Então, apesar do que parece para o nosso senso comum, as leis mais básicas que geram toda a complexidade do Universo, seguem um princípio básico bem simples, que é um princípio de otimização. Quando expresso matematicamente, este princípio nos permite deduzir as leis físicas.

Eu disse "expresso matematicamente" porque, nossa linguagem matemática, a forma como escrevemos os símbolos dos conceitos abstratos não é a Matemática. Os símbolos que escolhemos para representar os conceitos foram inventados pelos homens, mas os conceitos por trás dos símbolos não foram criados pelos seres humanos. Eles foram sendo descobertos e se demonstraram a forma mais eficiente de representar e gerar novos conhecimentos sobre a realidade. Incluindo aqueles aos quais jamais teríamos acesso simplesmente por nossos sentidos ou raciocínio filosófico. Apesar de que, para o nosso senso comum, muitas vezes os conceitos matemáticos parecem meras abstrações sem correspondência na realidade, tudo o que o homem conhece e experimenta tem sua base no funcionamento matemático da realidade. Aquela matemática que está por trás dos símbolos e que se expressa não só por números, mas por equações e Lógica. Quando a experiência humana é insuficiente para compreender algo, quando a filosofia não consegue alcançar, quando não se pode testar em laboratório, o uso de Matemática gera conhecimentos testáveis e comprováveis cientificamente. Acaba gerando toda a realidade que conhecemos, a que não conhecemos e tudo o que poderia existir, mas não sabemos se existe ou não.

Toda a nossa Física e, portanto, nossa Biologia, Economia, Sociologia e tudo no Universo deixam de existir sem o tempo e o espaço. E hoje se sabe que tempo e espaço tiveram origem. Portanto, nossa realidade, "nosso aquário", a Física e suas consequências, só existem a partir dali, dentro do tempo e do espaço. Tudo o que está fora disso, e não tem sentido falar-se em antes disso sem existência de tempo, pode ser acessado pela Matemática, mas não por outras formas de conhecimento humano.

Existe um Teorema da Lógica Modal conhecido como Teorema Ontológico, demonstrado por um matemático chamado Kurt Gödel. Este teorema conclui que Deus necessariamente deve existir. Ele é formamelmente consistentente e correto e foi validado por diversos softwares.[2] Naturalmente, há várias críticas ao teorema e suas conclusões. Algumas destas críticas afirmam que várias coisas poderiam substituir Deus no teorema, tais como estrelas do mar, mal absoluto e outras. Contudo, se estas coisas fossem colocadas ali, não se encaixariam nos axiomas do teorema. Uma outra crítica argumenta que a Lógica Modal S5 depende de um pressuposto metafísico questionável envolvendo a existência real dos mundos de possibilidades mencionados na literatura. O problema com este argumento é que ele confunde a linguagem utilizada em livros didáticos sobre o assunto com a própria Lógica Modal. A linguagem didática normalmente utilizada nesta área, se entendida literalmente, parece estar fazendo afirmações metafísicas. Entretanto, a Lógica Modal em si não depende de tais pressupostos filosóficos.

Deus seria uma entidade que está fora do Universo e, portanto, não depende de nossas leis físicas, do tempo e do espaço. Ele teria criado estas coisas. Não podemos tentar aplicar a Ele nossas regras de causalidade. As únicas coisas existentes fora do tempo e do espaço seriam Deus e a Matemática. Por isso ela é útil para tratar da existência ou não de Deus. No entanto, não é só através da Matemática que podemos encontrar evidências de Deus. Pretendo continuar este assunto posteriormente.

Referências

[1] Wikipédia, Carl Sagan (fonte: Head, Tom, ed. (2006). Conversations with Carl Sagan (1st ed.). Jackson, MS: University Press of Mississippi. ISBN 1-57806-736-7. LCCN 2005048747. OCLC 60375648.)

[2] Christoph Benzmuller e Bruno Woltzenlogel Paleo. "Automating Godel’s Ontological Proof of God’s Existence with Higher-order Automated Theorem Provers". Disponível em: http://page.mi.fu-berlin.de/cbenzmueller/papers/C40.pdf Acessado em 05/04/2016.

terça-feira, 1 de março de 2016

Reflexões sobre a Morte

Depois de uma longa pausa, estou retornando ao meu blog. E, para este retorno, resolvi tratar de alguns temas bem controvertidos: morte, Deus, fé e Ciência. Embora, no momento, essa seja apenas uma reflexão sobre a morte.

Minha vida acabou de passar por alguns daqueles tipos de acontecimentos que puxam o tapete debaixo dos pés e têm o poder de revirar tudo!
Meu pais faleceram em 2014. Eles estavam bem idosos e, é claro, eu sabia que eles iriam morrer um dia. Eu achava que tinha, finalmente, entrado em um acordo razoável com a morte. Algo assim: ela existe, significa o fim da existência, não é temível e todo mundo vai passar por ela. Uma fórmula bem simples para lidar com esse conceito. Porque quando se é jovem a morte parece uma coisa distante: só um conceito abstrato!

Minhas experiências com a morte foram bem limitadas até 2014. Durante minha adolescência vivi alguns momentos de muita depressão e uso de drogas. Nessa época, até tentei suicídio uma vez. Foi uma tentativa bem titubeante, por causa da sensação de incerteza sobre o que me aguardava. Quando criança, a idéia da morte me apavorava, pelo motivo de que parecia desolador simplesmente não existir mais depois de todo o turbilhão de emoções que é viver! O problema é quando viver se torna extremamente doloroso! O que pessoas que passam por isto querem não é a morte, mas simplesmente pararem de sofrer tanto! A morte parece a única forma de atingir esse objetivo.

A questão é que, quando a pessoa não se mata, aquilo que parecia um sofrimento sem fim se modifica. Porque a pessoa aprende a lidar com o que parecia sem solução, ela aprende a lidar melhor com as próprias emoções. Isso até ela se encontrar com novos obstáculos e pensar na morte outra vez. Então vai ter que aprender a lidar com esses obstáculos também. Nem sempre isso vai acontecer, porque, às vezes, a pessoa não consegue crescer, ela usa medicamentos e atitudes que a "congelam" numa atitude de negação e autoproteção. Não tenho nada contra medicamentos para depressão e outros problemas psicológicos. Acho que eles foram feitos para ajudar as pessoas a conseguir viver com problemas muitas vezes intoleráveis. O que acontece, infelizmente com alguma frequência, é que, para algumas pessoas, as dificuldades a serem vencidas não têm a ver com a forma como elas as enfrentam, não são o modo como elam reagem às situações, mas o fato de existirem coisas que lhes causam sofrimento. O que as pessoas fazem é se proteger dessas coisas externas. O remédio e o evitar situações desagradáveis servem de escudo para se protegerem do mundo hostil. Não percebem que enfrentar o mundo hostil e controlar as emoções é a única coisa que faz com que alguém realmente supere os obstáculos e cresça. Crescer pode ser doloroso, mas é necessário. Porque, do contrário, tanto faz continuar vivendo se passamos pela vida sem ter saído de dentro de uma casca! É como participar de uma corrida de obstáculos contornando todos eles! Você não participou de fato da corrida, só fingiu que sim. Daí quem passa a vida tentando se proteger de sofrimentos e evitando toda a situação desagradável, não viveu de fato! Não experimentou a recompensa pelos esforços, porque evita esforços. Não apreendeu o sentido da vida, porque viveu só pra si, em uma concha.

O que aconteceu comigo, recentemente, foi o choque que ocorreu entre as idéias que eu usava para enfrentar um fenômeno distante de mim e a realidade de enfrentar esse fenômeno cara à cara. A morte, infelizmente, não recompensa aquela sua idéia romântica de que, depois de uma vida intensa de muitas realizações, um dia você simplesmente adormece calmamente depois de se despedir devidamente de toda a família! Não, primeiro você vai perdendo, cada dia um pouco mais, tudo o que tinha e era! Se você era rico e orgulhoso ou pobre e ansioso, não faz mais diferença depois de algum tempo! E isso porque, muito frequentemente, você não morre de repente. A não ser naqueles casos em que a pessoa morre de acidente ou de mal súbito, ela vai perdendo a capacidade de desfrutar da própria vida e das coisas que antes gostava, até perder a si mesma, sua memória e aquilo que fazia dela o que ela era. E isso não é só nos casos de Alzheimer ou demência avançada. Porque a mente e o corpo vão ficando cansados e incapazes de fazer os mesmos esforços. Tem um pequeno instante, entre a morte e a vida, em que você ainda não foi, mas já não está mais aqui. E esse momento é muito triste! Quando você é o espectador desse fenômeno e pode apenas olhar a vida dos seus entes queridos escorrendo pelos dedos sem ao menos conseguir produzir um real confôrto, porque eles já estão escapando do seu alcance, isso é muito terrível! Talvez a coisa mais terrível que eu já tive de enfrentar na minha vida!

É estranho como as palavras de pessoas que nunca passaram por isto soam nos seus ouvidos nesse momento: "Faz parte da vida" ou "É a vida, todos vão morrer". Soa estranho porque você já pensou isso, já disse isso alguma vez. E, principalmente quando as pessoas que morreram eram idosas, você pensa que é natural esperar que elas irão morrer logo! Não é nenhuma surpresa! Claro que não! Quando é o seu vizinho, um parente pouco chegado, um estranho, ou quando você não acompanhou todo o processo de morrer, passo a passo, pelo qual a pessoa passou. Quando você não morreu com ela, hora a hora, dia a dia, minuto a minuto, sempre um pouquinho mais e tentou, desesperadamente, evitar a dor, o sofrimento e a perda até da dignidade para aquela pessoa! Quando ela finalmente atravessa os portais de além da vida, você pensa: "Como assim, porque ainda estou aqui? Eu andei todo o caminho com ela, passei por todo o processo até a morte! Agora ela foi e eu fiquei! O que eu faço?"

Eu não tenho perguntas do tipo: por que existe a morte? O que ocorre depois da morte? Por que existe o sofrimento? E existe um Deus? Essas são perguntas que eu já respondi para mim mesma. São perguntas que fiz naquela ocasião da tentativa de suicídio.

Acho que a diferença entre as minhas perguntas e as daqueles que deixam de crer em um Deus ao se deparar com esse tipo de questão é que eu as fiz diretamente para Deus. Meu raciocínio foi o seguinte: Se existe um Deus, Ele deve ser capaz de me responder essas questões e, se não, quero saber que as coisas são assim justamente por esse motivo. Quero que as respostas sejam o que elas realmente são e não o que eu quero que sejam! E as respostas foram chegando, não todas de uma vez, porque envolve muitas coisas e coisas profundas. Contudo, elas estão ao alcance de qualquer um que realmente queira entender. As respostas não se encontram simplesmente na fé ou na Ciência. Elas abrangem tudo isso, mas ninguém precisa ser expert para entender, embora quanto mais se aprenda mais claras as respostas vão se tornando.

Pretendo entrar em mais detalhes em posts subsequentes.